CARLOS ROSA MOREIRA
CARLOS ROSA MOREIRA
Membro do Cenáculo Fluminense de História e Letras, da Academia Niteroiense de Letras e da Associação Niteroiense de Escritores. Tem oito livros publicados, todos de crônicas e contos.

Por: CARLOS ROSA MOREIRA

25/06/2023

08:05:37

BAS-FOND

É noite alta. Caminho flanante pela zona escura da cidade.
BAS-FOND
Sou um turista nessa área. Sigo pelas calçadas imundas como se dormisse aqui todas as noites. Talvez naquele “Hotel Rodoviária”. Minha alma está frágil, não sei por que resolvi flanar por aqui. Teria sido mais prudente algumas doses de conhaque e uns goles de Fernet. Procuro fazer olhos comuns, de retinas já fatigadas por essas luzes e por esses desvãos escuros. Os bares estão cheios. Mesas e cadeiras se espalham até às ruas. Sinto cheiro de cerveja, de bueiro, de churrasquinho. Fora das luzes dos bares mulheres aguardam nas calçadas. Vagueiam, fumam. Nas fisionomias cansadas vejo desamparo, fastio, devassidão, expectativas. Há risos e ruídos nas luzes; há melancolia na escuridão. E sinto algo que me parece tenso e ameaçador.

 É uma gente feia. Caras de todas as cores. É o povo. Nosso povo, nós. Gente a esquecer a fadiga, a desesperança, as humilhações, os aborrecimentos, as irresponsabilidades e os anseios frustrados da semana que passou. Tudo arrematado na cerveja, nas gargalhadas, nas palavras grosseiras. Em cada falta de vida existe muita vida. Coisas miseráveis traduzem intensos sentimentos humanos. No canto de uma árvore, uma prostituta velha segura o vestido e urina. Ouço o jato bater sobre a terra ao pé da árvore. Lembra a urina das vacas a bater sobre o pasto. Quase sinto o cheiro do mijo daquela mulher.

            Lá do fundo do bar um rosto surpreendente me chama a atenção.  É uma mulher bela, destoante. Está sentada com um negro alto de careca luzidia. Ele veste um terno branco sem gravata e calça sapatos sem meias. Ela está de camiseta regata preta. Sobre a mesa há várias
garrafas vazias de cerveja. Ela é muito clara, pálida, chega a brilhar naquele ambiente de cores escuras. Seus cabelos negros compridos caem em mechas sobre os ombros delicados. A expressão é de imenso fastio. Fuma. Solta a fumaça para o lado, como um desabafo. Imagino que o tédio em seu belo rosto seja resultado de drogas, mas pode ser só tédio. O negro ri e conversa com um branco magrelo de aspecto asqueroso. Ela olha para lugar nenhum. Tem fascinantes olhos negros. Então seu próprio rosto surge dos confins da memória. Lembra-me a heroína das “Histórias contadas e outros poemas”, lidas lá atrás na infância. É o rosto de Bess, por quem fui apaixonado. A linda Bess de “negros olhos e tão negros cabelos”, que preferiu matar-se para não ver prisioneiro seu amado salteador das estradas. Imaginação faz cada coisa com a gente... A heroína era amor e determinação; a mulher do bar é pura sordidez, mas é bela e esse verniz traz algo extraordinário àquele lugar. Na calçada, duas negras magricelas bebem e ensaiam grotescos passos de “funk”. Um mendigo se aproxima e assiste àquilo com o olhar apalermado.

            “A parte sem o todo não é parte”. Não é coisa alguma, penso eu. São tantas as vidas poucas que fazem aquele todo. O todo feio tem a beleza de ser interessante. As partes são horrendas. A lembrança no doce romantismo da infância somou-se à realidade e me desequilibrou. Deixei de fazer parte do todo. Minha alma está prestes a partir daquele purgatório e despencar para a escuridão da minha Idade Média particular. Assaltam-me a tristeza e a desesperança de cada parte do todo. Tomo meu rumo. Caminho pelas calçadas ao longo de fachadas melancólicas de mau gosto. Quero retornar às luzes, onde beleza é verniz repousante. Onde frágeis escoras sustentam miserabilidades, sejam de bolso, sejam de alma.


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