CARLOS ROSA MOREIRA
CARLOS ROSA MOREIRA
Membro do Cenáculo Fluminense de História e Letras, da Academia Niteroiense de Letras e da Associação Niteroiense de Escritores. Tem oito livros publicados, todos de crônicas e contos.

Por: CARLOS ROSA MOREIRA

08/04/2023

12:32:02

RESPEITO AO TEMPO

Faz tempo que rodamos e ninguém passa por nós. Não há movimento na estrada, há somente uma beleza anciã e pacífica, que parece ter sido petrificada pela solidão e pelo tempo.
RESPEITO AO TEMPO
Estamos no interior da Mancha e a carreterita serpenteia por entre olivais, colinas nuas e ermas planícies dessa velha terra. Pelo retrovisor, o asfalto desaparece numa lombada distante...

    ...Ovelhas caminham mansas na luz colorida do sol de outono. Parecem tangidas por um pastor invisível. Seguem certinhas ao lado de fileiras de álamos, cujas folhas adquirem um tom dourado bonito, que me faz lembrar as tardes de maio em nossa casa, quando esse mesmo sol, distante e frio, mas tão belo, dourava jambeiros e mangueiras. Imagino ouvir o sussurro longínquo das folhas dos álamos. Penso que o pastor deve estar por ali, oculto pela sombra das árvores, com as mãos apoiadas sobre o cajado a observar essas pessoas que passam velozes, perturbando a paz de sua soledade. Toco no acelerador e a máquina responde. Passamos ao lado de uma encosta, paralela a um riacho de águas cristalinas. A terra da encosta tem cor de ferrugem e parece tão velha que se solidificou numa ruína carcomida, e assim ficará para sempre, como se a velhice tivesse se bastado de envelhecer.

            Ela dormita ao meu lado. Acho que não tem interesse nessa solidão manchega. Mas o carro dá uns solavancos e ela acorda, espreguiça-se, me olha ternamente e diz:

            ─ Gostaria de comer um pêssego
daqueles, como é mesmo? 

            ─ Durazno.

            ─ E a romã?

            ─ Granada.

            ─ Ai, é cada um melhor do que o
outro!

            Chegamos a um deserto de pedras. Tudo à volta é pedra. Pedras amareladas, enferrujadas; pedras esbranquiçadas ao longe. Mas há um vestígio de presença humana: são muros de pedra que parecem não ter fim. Imagino que o povo abandonou essas terras há muito, deixando aquela sequência interminável de pequenas muralhas como testemunhas silenciosas de sua passagem. À nossa frente surgem os telhados de uma aldeia. Atravessamos um leito seco sobre elegante ponte de pedra que uma placa nos diz ter sido construída pelos romanos. Entramos na aldeia que parece dormir. Ou foi abandonada. Paramos o carro ao lado de um solitário poço de pedra no meio da praça. Há uma tienda na esquina, certamente terá granadas e duraznos. Suas portas e janelas são as únicas vidraças naquele pétreo mundo e nos parece estranha modernidade em contraste com tudo à volta. Mas nos decepcionamos; há um aviso na porta: cerrado.

            Ela não gostou. Como é que pode? Toda vez é isso, tudo sempre “cerrado”! Onde está essa gente?

            Observo as casas em torno da praça. As pedras estão mais amareladas com o brilho vespertino do sol. Janelas de madeira cerradas dão um toque mais suave àquela pedra toda. Pelos espaços entre as casas, chega o vento que vem de longe, que gasta e gasta as pedras, que esfria o sol. Olho para ela e vejo seu perfil correto meio oculto pelos cabelos que o vento acaricia e movimenta. É o mesmo vento que durante séculos acaricia os cabelos das mulheres dessa velha aldeia. Ela reclama que tudo está sempre cerrado no interior dessa Espanha que nos faz voltar no tempo. Sh... Coloco o indicador levemente sobre seus lábios, sorrio e a abraço. Ela entende e se aconchega.

            Ouça! Ouça o vento. O vento mexe com o tempo que parou. Olhe como fustiga, veja como implica com o tempo. O tempo incrustado nas pedras, pétreo, visível, palpável. O tempo nem responde às inúteis investidas do vento.

            Ficamos abraçados naquele silêncio ancestral, respeitando o tempo, admirando a força imutável do tempo.

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