Por: AYRTON DIAS
31/03/2024
08:37:58
GERAÇÃO BENDITA - É ISSO AI BICHO!
Quem vê pessoas nas calçadas vendendo anéis e pulseirinhas, talvez não
saiba de toda a história que há por trás daquele estilo de vida peculiar que
era utilizado com uma forma de protesto.
Mais do que um visual diferente, os hippies tinham um ideal e
uma nova proposta de como se viver, sonhar e morrer. Para eles, o que importava
era a revolução em benefício do homem e em nome da liberdade. Por isso,
adotavam um modo de vida simples, comunitário, nômade, vivendo do artesanato e
em comunhão com a natureza. O movimento e a cultura hippie possibilitaram a
existência de um mundo mais espiritualizado, sem dogmas e com mais respeito às
diferenças. A liberdade sexual, a não-discriminação das minorias, a preservação
ambiental e a sustentabilidade também fazem parte do legado deixado por uma
juventude que pregava a paz, o amor e sonhava com um mundo melhor!
Os “hippies”, que tinham como
ícone o símbolo da paz, surgiram na década de 1960. Eram jovens americanos que
se recusavam a aceitar as injustiças e desigualdades da sociedade de seu país,
principalmente, a segregação racial. Eles não queriam se submeter aos
valores sociais vigentes na época e defendiam a "paz", o "amor e
se opunham a todas as guerras, notadamente à do Vietnã. Eram afeitos as religiões orientais como o budismo, hinduísmo e as práticas religiosas das
culturas nativas norte-americanas. Os adeptos do “Flower
Power” valorizavam a natureza e defendiam o "amor
livre", tanto no sentido de "amar ao próximo", quanto o da
prática de uma atividade sexual bem liberal. O LSD - uma poderosa droga química
que durante algum tempo não foi considerada perigosa nem de uso proibido -,
para eles, ajudava a “abrir a mente” e servia como fonte de inspiração para as
criações psicodélicas. Os hippies acreditavam que a música poderia “libertar as
mentes” e a utilizavam, juntamente com o teatro de rua, como instrumento de
divulgação da contracultura. No Brasil, essa corrente foi incorporado pela
“Tropicália”, um movimento que tinha como proposta uma ruptura na música
popular e na cultura brasileira e que foi protagonizado por Caetano Veloso, Gilberto Gil, Torquato Neto, Os Mutantes e Tom Zé, entre os anos de 1967 e 1968.
Os adeptos do"Flower Power" valorizavam a natureza e defendiam o "amor livre", tanto no sentido de "amar ao próximo", quanto o da prática de uma atividade sexual bem liberal
Geração Bendita
Poucas pessoas sabem, mas o único filme hippie do mundo foi produzido em Nova Friburgo! Dirigido e interpretado por Carlos Bini, o “Geração Bendita” foi uma iniciativa do diretor de fotografia francês Meldy Melinger que se uniu ao empresário friburguense Carl Kohler com a intenção de divulgar, através de um filme, o modo de vida de um grupo de hippies que se estabeleceu nos subúrbios de Friburgo na década de 1960. O enredo principal do filme narra a história do advogado Carlos (Carlos Bini) que, saturado dos problemas da vida e da rotina cotidiana, revolta-se e abandona sua vida estabelecida para viver na comunidade Quiabo's.
O ex-produtor cinematográfico José Carlos
Thurler Ruiz (67 anos) que produziu o filme de ficção “O Guru das sete cidades”
e a comédia “Como nos livrar do saco”, teve uma participação como ator no
Geração Bendita(ele era o delegado que mandou prender os hippies). Para José Carlos foi
uma verdadeira curtição participar do filme, mas faz questão de ressaltar:
“Nunca fui hippie! Apenas fiz parte de um projeto de cinema que, através da
ficção, me aproximou do movimento. Sempre fui politizado e inquieto como a
maior parte da juventude brasileira naquele momento.”
''Uma história nunca vista no Brasil! Uma geração simples, divertida, humana, bela e inteligente! Você vai fundir a cuca, bicho!'', anunciava o trailer do filme que originalmente seria um documentário, mas acabou virando ficção com a entrada no projeto do diretor Carlos Bini. Geração Bendita não é uma película que prima por atuações convincentes, nem tampouco por ter um grande roteiro, mas chama a atenção pelo conjunto da obra. Na realidade é um filme “muito doido”, que contou com a participação de apenas dois atores “de verdade”. A maior parte do elenco era composto por integrantes da comunidade hippie friburguense “Quiabo's” e de pessoas que não tinha nada a ver com o movimento hippie. O filme, que foi ambientado em Nova Friburgo, retratou uma época e teve como cenário a cidade no ano de1970. Ele acabou se tornando um verdadeiro “Cult movie” pelo fato de ser “uma viagem só”, com cenas como as que aparecem hippies queimando um aparelho de TV, tocando flauta à beira do rio, queimando fumo, destroçando com fúria um leitão assado, ou tomando banho totalmente nus num rio. Essas cenas podem até ter chocado os princípios da moral e dos bons costumes vigentes naquele momento, mas hoje são consideradas apenas muito divertidas!
O austríaco Arpad Taubinger (63 anos), vive no
Brasil há seis décadas e se intitula um “hippidoso”. “Sempre fui hippie! Não
concordei com o caminho que foi seguido pelo Geração Bendita. Eu defendia uma
causa e o filme, para mim, não representa os valores do movimento.” - Foto: Êxito Rio
Para chegar a ser veiculado sem restrições, o Geração Bendita passou por uma verdadeira epopeia! Após a sua produção em 1970, época da ditadura militar no Brasil, teve sua primeira edição liberada pela CEnsura Federal Brasileira em 1971 após ter sido cortado em mais de 40 minutos, o que levou a refilmagem de alguns trechos e acréscimos de novos. Porém, logo após a sua estreia, teve a exibição proibida em todo o Brasil, permanecendo praticamente inédito desde então, com raras exibições no Brasil e na Alemanha. Finalmente, em 1973, após mais alguns cortes, foi obtida a sua aprovação, já então com o título “É Isso Aí, Bicho!”, numa tentativa de burlar a rígida censura da época. Porém, em julho deste mesmo ano, foi novamente proibido e apreendido pela Polícia federal. Somente em 2003, após ter as cenas que haviam sido cortadas resgatadas e reintegradas, o filme foi digitalizado e transformado em DVD, que se encontra legendado em sete idiomas: português, espanhol, italiano, francês, inglês, alemão e japonês
Trilha sonora muito valorizada. Por ser raro, o vinil original da Banda alcançou um expressivo valor de mercado, chegando a ser comercializado por 2 mil dólares
A trilha sonora do filme foi fruto do trabalho do grupo musical Spectrum, uma banda friburguense formada por amigos Beatles maníacos. O disco, que foi gravado em 1971, na época não teve nenhuma repercussão, mas acabou se transformando em sonho de consumo para colecionadores europeus! Relançado em numa caprichada edição de vinil em tiragem limitada pelo selo alemão Psychedelic Music em 2001, o LP Geração Bendita foi reverenciado como uma verdadeira pérola do rock psicodélico sul-americano e vendeu toda as 450 cópias em uma semana. Por ser raro, o vinil original da Banda alcançou um expressivo valor de mercado, chegando a ser comercializado por 2 mil dólares. É isso aí, bicho!