CARLOS ROSA MOREIRA
CARLOS ROSA MOREIRA
Membro do Cenáculo Fluminense de História e Letras, da Academia Niteroiense de Letras e da Associação Niteroiense de Escritores. Tem oito livros publicados, todos de crônicas e contos.

Por: CARLOS ROSA MOREIRA

12/11/2023

07:45:28

SIMPLES

Outro dia, prima, lembrei-me dos passeios à noite pelos caminhos da Ouro Fino. Íamos num pequeno bando. Você não era minha prima, mas eu a chamava assim. Pelas estradas havia a Lua. O brilho do luar vagamente refletido no barro liso..
SIMPLES
...Com ele vislumbrávamos o verde da mata, as silhuetas da noite, o desenho fantasmagórico de um tronco seco numa curva da estrada. Fazia frio. Sentíamos a frialdade do chão através das solas dos tênis. Levávamos uma garrafa de conhaque Dreher. Aquecíamos o peito, conversávamos sobre mistérios do outro mundo, cantávamos... Ríamos muito, alguém sempre contava uma piada. Você sabia toda a letra de “Pra não dizer que não falei das flores” e ainda arriscava uns versos de “Je t’aime moi non plus”, então proibida por aqui. Falava de política, de acontecimentos na Europa, dizia coisas interessantes e eu me sentia um garoto bobo, que realmente era, ao seu lado. Havia expectativas...

Aquele esticava olhos para aquela, que procurava olhares daquel’outro; esse gostava dessa, que era arredia, e nós nos olhávamos às vezes. O mundo era manso.  Contentava-nos a doçura dos olhares, das jabuticabas, das mangas-espada. Foram tempos tão doces que às vezes esquecemos. Uma noite, nos casaram. Alguém vasculhou os gavetões da capelinha arruinada e achou a roupa do padre, que em tempos de antanho vinha rezar missa para o povo da fazenda. Um amigo vestiu a roupa carcomida pelas traças e nos escolheram como noivos. Fizeram-me beber goladas de conhaque no gargalo e as meninas a levaram para prepará-la. 

            Você entrou na capelinha sorrindo, com os longos cabelos enfeitados por uma grinalda de gerânios. A luz do lampiãozinho a querosene pouco iluminava, mas clareava seu rosto, como se essa fosse sua única função. Eu olhava você. Tão embevecido quanto a luz humilde do lampiãozinho. Alguém percebeu meu olhar e sorriu feito a Mona Lisa. Peguei em sua mão no altar e depois da bobajada dita pelo “padre” ficamos todos sorrindo. Eu acreditei ter visto algo em seus olhos. Uma curiosidade, talvez. E quis estar com você pelas estradas ao luar. Na manhã seguinte, na mesa do café, eu a procurei, você parecia longe, mas acho que percebeu, não sei... Naquele mesmo dia, como se nada houvesse acontecido, fomos embora. Morávamos em cidades diferentes e, nos meses seguintes, algumas vezes, andei por seu imenso bairro na vã esperança de uma coincidência. Mas a frustração e a triste consciência de saber tão pouco me fizeram desistir. Passaram-se tantos anos... Não faz muito tempo, encontrei uma senhora numa feira de livros. Era a atenta amiga que sorriu ao perceber meu deslumbrado olhar naquela noite na fazenda. Contou-me de você, que também quis saber de mim, mas não me encontrou. 

            Engraçado...  Fez-me bem saber que alguém quis saber de mim. Uma doce notícia chegada de longe alegrou o garoto bobo que ainda deve existir em algum canto. Pensei em você com a sua grinalda de flores e nas batidas do meu coração ao vê-la entrar na capelinha. E essa pequena lembrança deixou meu dia melhor, assim, de uma forma tão simples.    

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